A nova norma anticorrupção Foreign Extortion Prevention Act (FEPA)

No apagar das luzes de 2023 os Estados Unidos da América aprovaram novo normativo anticorrupção, o Foreign Extortion Prevention Act ou FEPA.

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Por Cristiana Fortini e Renata Costa Rainho

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05/06/2024

No apagar das luzes de 2023 os Estados Unidos da América aprovaram novo normativo anticorrupção, o Foreign Extortion Prevention Act ou FEPA.

O FEPA foi aprovado pelo Congresso americano e ratificado pelo Presidente respectivamente em 14 e 22 de dezembro de 2023, como parte do National Defense Authorization Act (NDAA), norma anual de despesas com a indústria de defesa americana. 

Anualmente, o NDAA tem servido como um importante veículo para reformas legislativas, inclusive no mercado de contratação pública, e em sua edição para 2024 trouxe acréscimo importante ao regime dos EUA de repressão à corrupção. 

Procura-se preencher uma lacuna deixada pelo já conhecido Foreign Corrupt Practices Act, o FCPA, que se concentra exclusivamente no “lado da oferta” do suborno estrangeiro (giver), ou seja, na sanção de empresas e indivíduos por oferecerem, prometerem, autorizarem ou pagarem subornos a funcionários de governos estrangeiros. Apesar de o pagamento do suborno demandar não apenas o que oferece/fornece/promete mas também o que o aceita (receiver), o FCPA dedicou-se apenas a um dos polos, transferindo tacitamente a disciplina e a sanção pelo ato do pedido/procura/recebimento para outros diplomas.  

A finalidade da alteração é fechar o círculo, atingindo os agentes públicos que são beneficiários dos atos de corrupção, concentrando o foco da prevenção e punição no “lado da demanda”. Por tal motivo, o FEPA tem sido comumente referido como a “outra metade” do FCPA. O propósito é prevenir a corrupção para além de puni-la, criando novo mecanismo de resistência para as empresas, caso venham a ser provocadas por agentes desejosos de receber vantagem indevida. Assim, para além de as empresas poderem alegar, diante de solicitações de agentes estrangeiros, que estão proibidas de pagá-las em face do FCPA, poderão agora dizer que eles também se verão responsabilizados, por lei norte-americana. Aposta-se que a ameaça de punição desestimule pedidos, exigências e recebimentos de suborno por agentes estrangeiros, além de provocar o efeito cascata levando outros países a prever de igual forma.

Interessante observar que os estudos do grupo de estudos sobre suborno da OCDE sugerem que os recebedores são costumeiramente menos punidos que os pagadores. 

É importante reconhecer que, apesar de complementar o FCPA em sua essência, formalmente o que se alterou foi a lei doméstica sobre suborno (Título 18 do US Code: 18 U.S.C. § 201), acrescentando “funcionários estrangeiros” à classe de pessoas abrangidas pelo estatuto. Vale dizer, não se trata de alteração no texto do FCPA, o mais comentado diploma de combate à corrupção, dada a relevância de ter sido o primeiro a endereçar a punição por corrupção de agentes estrangeiros e por decorrer das investigações ligadas ao Watergate.  Trata-se de alteração em outro diploma legal. 

Em breve síntese, sem a pretensão de exaurir, até por ser muito recente, o FEPA torna ilegal que um funcionário de governo estrangeiro (foreign official), com a intenção corrupta (corrupt intent) à semelhança do FCPA, (i) “exija, procure, receba, aceite ou concorde em receber ou aceitar, direta ou indiretamente, qualquer coisa de valor” (ii) como uma contrapartida por (a) ser influenciado na execução de qualquer ato oficial, (b) ser induzido a praticar ou omitir qualquer ato que viole seu dever oficial ou (c) conferir qualquer vantagem indevida, (iii) em conexão com a obtenção, manutenção ou direcionamento de negócios para ou com qualquer pessoa. 

Três requisitos, portanto. A demanda dolosa, manifestada por diversos verbos que não apenas o exigir, a contrapartida ligada a vantagem indevida, e um fim especial de agir, já que a corrupção há de obter, manter ou direcionar negócios, como também prevê o FCPA

Importante destacar que o FEPA em muito espelhou o FCPA na definição de foreign official, mas acrescentou termos que estendem o seu alcance, detalhe que poderá fazer diferença na aplicação da norma. 

Pelo FEPA, por funcionário público estrangeiro (foreign official) se entende qualquer agente ou empregado público de um governo estrangeiro, ou qualquer departamento, agência ou instrumentalidade deste governo. Incluem-se na definição figuras políticas seniores (senior foreign political figure), qualquer agente ou empregado de organização pública internacional, ou qualquer pessoa que represente, oficialmente ou não, governo, departamento, instrumentalidade do governo estrangeiro ou mesmo organização pública internacional. 

A inclusão de representantes “não oficiais” e de “instrumentalidades” do governo, além de “figuras seniores”, permitem a interpretação pelo alcance de ampla gama de agentes públicos na função ou já fora dela, de todos os Poderes, Executivo, Legislativo ou Judiciário. 

Outro termo de destaque é a demanda por “qualquer coisa de valor”. Assim como o FCPA, a vantagem pode não se traduzir em dinheiro, mas em outro tipo de benefício.

O FEPA se aplica quando a demanda for feita (i) a qualquer pessoa no território dos Estados Unidos; (ii) a qualquer cidadão americano ou residente no país, empresas americanas ou entidades organizadas conforme as leis americanas (todos estes abarcados pela expressão “domestic concerns” da lei); (iii) além dos “issuers” conforme o Securities Exchange Act de1934, o que amplamente abarca as empresas emissoras de valores mobiliários. Vê-se portanto que o gatilho que leva à aplicação da lei se aciona mesmo que a demanda tenha ocorrido fora do território dos Estados Unidos da América.

E a sanção prevista na lei é igualmente robusta, incluindo até 15 (quinze) anos de prisão além de multas, que poderão ser de até US$ 250.000 (duzentos e cinquenta mil dólares) ou 3 (três) vezes o equivalente monetário do suborno recebido, o que for maior, penalidades estas que poderão ser aplicadas em conjunto ou isoladamente segundo as primeiras interpretações da norma.

Percebe-se que mais uma vez os Estados Unidos inovam de forma marcante no arcabouço normativo anticorrupção. 

A novidade não está simplesmente na punição de agentes públicos corruptos, o que já é absolutamente ordinário nos mais diversos países, inclusive no Brasil. 

A inovação está na punição de tais agentes por outra nação que não a sua. Para tanto, basta o “link” com empresa, empresário ou território americano nos termos explicitados pela lei, que permitem interpretação alargada para a incidência da norma.

A complexidade política do FEPA deverá se revelar ao longo de sua aplicação, sobretudo se alcançar a mesma representatividade do enforcement do FCPA

O princípio de se coibir a impunidade por trás da norma é nobre. Tal fato não diminui a expectativa quanto a possível controvérsia em sua aplicação, além da dúvida se será uma prática internalizada por outras nações à semelhança do que se deu com o FCPA.

É, assim, uma norma anticorrupção que atrai todos os olhares no momento. 

Mas a atenção não deve ser só por aqueles que podem ser por ela atingidos, como também pelas empresas que se relacionam com a administração pública nacional ou estrangeira. 

É hora de uma reanálise de riscos e potencial atualização do compliance anticorrupção e treinamento dos colaboradores. Mesmo porque, a cooperação com as autoridades e o disclosure de informações são instrumentos de defesa para a iniciativa privada que se ver envolvida nos casos que certamente estão por vir.

Relevante salientar, ademais, que se trata de lei sujeita à jurisdição federal extraterritorial. Isso significa dizer que as autoridades competentes para a aplicação da norma americana alcançarão agentes públicos ainda que não localizados nos Estados Unidos, com o potencial de afetar relações diplomáticas mantidas pelos EUA com aqueles países que terão seus agentes alcançados pela lei. 

A complexidade política de sua aplicação parece certa, o que se revelará à medida que os primeiros casos forem perseguidos pelas autoridades competentes como o DOJ norte-americano.